O processo de formação do cânon do Novo Testamento – a coleção de textos considerados inspirados e normativos para a fé cristã – foi longo e complexo, se estendendo por vários séculos. Desde o século I d.C., as primeiras comunidades cristãs começaram a reconhecer a autoridade de certos escritos, que mais tarde foram organizados em coleções para uso na adoração pública. Mas como esses textos foram escolhidos? E quais critérios determinaram quais livros fariam parte do cânon?
Primeiros passos na formação do cânon
Já no Novo Testamento, encontramos indícios de que certos textos começaram a ser considerados com autoridade especial. Um exemplo é a segunda carta de Pedro, que menciona as epístolas de Paulo e as equipara às Escrituras hebraicas (2 Pedro 3:16). Isso mostra que, mesmo nos primeiros anos do cristianismo, alguns escritos já eram lidos e reverenciados durante os cultos, lado a lado com as Escrituras do Antigo Testamento.
Outros escritos cristãos também circulavam ao lado dos textos que mais tarde seriam canonizados, como “O Pastor”, de Hermas, e a “Epístola de Barnabé”. Esses textos, embora populares em certas regiões, não foram incluídos no cânon final por diversos motivos, como a falta de conexões diretas com os apóstolos ou por terem sido escritos muito tempo após o período apostólico.
A necessidade de um cânon
A figura de Marcião, um herege do século II, desempenhou um papel importante na formação do cânon, embora de maneira indireta. Marcião propôs uma versão muito reduzida das Escrituras, aceitando apenas as cartas de Paulo e o Evangelho de Lucas, e rejeitando todos os outros textos. Essa ação controversa forçou as igrejas a refletirem seriamente sobre quais escritos realmente deveriam ser considerados como inspirados e autoritativos.
Como resposta, as comunidades cristãs começaram a consolidar e a definir mais claramente os textos que comporiam o Novo Testamento. Uma das primeiras tentativas formais de estabelecer uma lista foi o Cânon Muratoriano, embora sua data seja incerta e ele não inclua todas as epístolas que hoje fazem parte do Novo Testamento.
Critérios para a inclusão
O processo de seleção dos textos canônicos considerava três critérios principais:
Ortodoxia doutrinária
Os escritos tinham que estar em plena conformidade com a doutrina cristã aceita pelas igrejas primitivas. Textos que continham ensinamentos divergentes ou considerados heréticos eram excluídos.
Apostolicidade
Um texto deveria ter uma conexão direta com os apóstolos ou ser escrito por alguém intimamente associado a eles. Por exemplo, os evangelhos de Marcos e Lucas foram aceitos porque Marcos era colaborador de Pedro, e Lucas, companheiro de Paulo.
Aceitação universal
Textos que eram amplamente aceitos e usados tanto no Oriente quanto em Roma tinham maiores chances de ser incluídos no cânon. Escritos que eram populares apenas em uma única região eram vistos com desconfiança e, muitas vezes, deixados de fora.
Um exemplo claro é o das epístolas de Paulo. Embora endereçadas a comunidades específicas, outras igrejas rapidamente reconheceram que sua doutrina era relevante para todas, o que garantiu sua inclusão no cânon.
Consolidação do cânon no século IV
Por volta do século IV, o processo de seleção dos livros do Novo Testamento já estava bastante avançado. Líderes e teólogos da igreja, como Eusébio de Cesareia e Atanásio de Alexandria, começaram a compilar listas definitivas dos livros canônicos. Essas listas foram posteriormente confirmadas pelos concílios de Laodiceia (363), Hipona (393) e Cartago (397). Foi nesse período que os 27 livros que hoje compõem o Novo Testamento foram formalmente reconhecidos.
Embora esses concílios tenham desempenhado um papel crucial, é importante notar que eles não “criaram” o cânon. Em vez disso, ratificaram uma prática já existente nas igrejas, onde esses textos já eram amplamente aceitos e utilizados.
Processo necessário
A formação do cânon do Novo Testamento foi um processo de discernimento cuidadoso e criterioso, que envolveu séculos de debate e reflexão. Os 27 livros que hoje compõem o Novo Testamento não apenas definem a identidade da Igreja, mas também servem como a base doutrinária sobre a qual a fé cristã se sustenta.
Esse processo de formação, embora longo, garantiu que os textos mais fiéis e relevantes fossem preservados para as gerações futuras, permitindo que a mensagem de Cristo e dos apóstolos continuasse a guiar os fiéis em sua jornada espiritual.
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